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Como a Nova Lei de Improbidade Administrativa está sendo aplicada: principais jurisprudências e temas

Nova lei de improbidade administrativa - José Rubens Costa Consultoria Jurídica e Advocacia

Conhecida como a Nova Lei de Improbidade Administrativa (NLIA), a Lei 14.230, sancionada em 2021, trouxe mudanças significativas no combate à corrupção e na Administração Pública.

A aplicação prática dessas novas normas têm gerado debates e precedentes importantes na jurisprudência brasileira.

Este artigo, portanto, apresenta um compilado de casos práticos nos quais a Nova Lei de Improbidade Administrativa foi aplicada, oferecendo uma visão abrangente sobre sua implementação e interpretação nos tribunais. 

Nosso objetivo é que servidores públicos possam compreender o que irá acontecer com os processos de improbidade administrativa que já estavam em curso antes da vigência das mudanças e como os novos processos serão conduzidos, conforme o que vem sendo julgado, especialmente no STJ.

 

Jurisprudência sobre a Nova Lei de Improbidade Administrativa

A Lei 14.230 de 2021 introduziu várias mudanças na legislação de improbidade administrativa e apesar de a Lei 8.429/92 não ter sido revogada, as alterações são tão profundas que muitos consideram que estamos lidando com uma “nova” Lei de Improbidade Administrativa.

Assim, o Poder Judiciário, especialmente o STJ, recebeu a importante tarefa de esclarecer as interpretações divergentes sobre a Lei de Improbidade Administrativa sob a ótica da nova redação.

Portanto, apresentamos a seguir algumas decisões que vêm aplicando as novas regras.

 

Necessidade de comprovação de dolo

Uma das mais importantes mudanças trazidas pela Nova Lei de Improbidade Administrativa é a definição de que a improbidade administrativa só pode ser configurada com a presença de dolo, eliminando a modalidade culposa anteriormente prevista.

A necessidade de comprovação do dolo para a configuração do ato de improbidade foi estabelecida em seu artigo 1º, §1º, e repercute em todas as condutas tipificadas nos artigos 9º, 10 e 11 da lei.

Exemplificando a aplicação desta nova prerrogativa, temos o Tema Repetitivo 1108/STJ

A contratação de servidores públicos temporários sem concurso público, mas baseada em legislação local, por si só, não configura a improbidade administrativa prevista no art. 11 da Lei n. 8.429/1992, por estar ausente o elemento subjetivo (dolo) necessário para a configuração do ato de improbidade violador dos princípios da administração pública.

Aliás, o STF decidiu pela retroatividade da Lei de Improbidade Administrativa para beneficiar aqueles que porventura tenham cometido atos de improbidade administrativa na modalidade culposa na vigência da lei anterior, sem condenação transitada em julgado (Tema 1199/STF). A tese vem sendo aplicada pelo STJ, incluindo situações em que recurso aos tribunais superiores não tenha sido admitido (Informativo de Jurisprudência 776, publicado em 30/05/2023).

 

Absolvição na esfera criminal não influencia automaticamente no âmbito civil e vice versa

Devido à separação entre as instâncias cível e criminal, a decisão de absolver alguém em uma esfera não influencia automaticamente a decisão na outra. Isso acontece apenas nos casos em que se decidir pela inexistência da conduta ou pela negativa da autoria, ou seja, a conduta investigada não foi praticada ou não foi o réu que a praticou, conforme o art. 21, § 3º da 14.230/2021.

A Nova Lei de Improbidade Administrativa até pretendeu que definir que uma absolvição na seara penal impedisse a manutenção da ação de improbidade, pelo disposto em seu art. 21, § 4º, mas tal disposição está suspensa por liminar deferida na ADI/STF 7.236. (Informativo de Jurisprudência 816, publicado em 18/06/2024).

Há, entretanto, outra decisão que aponta mais uma exceção de interferência entre as esferas – neste caso, da cível na criminal –, sobre a qual trataremos a seguir.

 

Absolvição por ausência de dolo esvazia manutenção da ação penal

Como já mencionado, a necessidade de comprovação do dolo eliminou a responsabilidade por improbidade administrativa na modalidade culposa.

E apesar da independência das esferas, não é possível que o dolo sobre um mesmo fato não seja demonstrado no juízo cível e se revele no juízo penal. Assim, a ausência de comprovação do dolo interfere na caracterização da própria tipicidade do delito, já que a improbidade administrativa não mais admite a modalidade culposa.

Portanto, isso implica que, caso uma pessoa seja absolvida em uma ação de improbidade administrativa por não ter agido com intenção maliciosa, isso retira o fundamento necessário para prosseguir com a ação penal (Informativo de Jurisprudência 766, publicado em 14/03/2023).

 

Hipótese de responsabilização por violação genérica aos princípios administrativos

A nova versão do artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, modificada pela Lei 14.230/2021, detalha claramente quais condutas são consideradas atos de improbidade administrativa por violação dos princípios da Administração Pública.

Assim, impossibilita-se a condenação de forma geral com base nas antigas regras dos incisos I e II, que foram revogados, mesmo para atos cometidos antes da mudança da lei, desde que não haja uma decisão final transitada em julgado.

Contudo, este fato não faz com que o processo de improbidade administrativa seja anulado, ainda que uma violação geral dos princípios administrativos, conduta descrita no antigo artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), tenha sido excluída (Informativo de Jurisprudência 802, publicado em 05/03/2024).

Isso acontece porque as novas regras ainda cobrem as mesmas condutas, mas agora de maneira mais detalhada. Dessa forma, é analisado se a violação geral se enquadra nas novas regras específicas e somente se não for o caso é que a ação de improbidade administrativa será julgada improcedente.

 

Dano ao erário não pode ser mais presumido

Outra relevante alteração diz respeito ao dano presumido ao erário, ou seja, de que certos atos administrativos, por sua própria natureza, implicam em prejuízo aos cofres públicos (erário), sem a necessidade de uma comprovação direta e específica do dano financeiro.

Em outras palavras, quando se fala em “dano presumido ao erário”, entende-se que o ato em questão, como a contratação irregular ou a dispensa indevida de um processo licitatório, é considerado, por si só, lesivo ao patrimônio público. A presunção do dano ocorre porque esses atos violam princípios básicos da Administração Pública, como a legalidade e a moralidade, criando uma presunção de que tal violação gera um prejuízo financeiro.

Contudo, a nova redação do art. 10, caput e inciso VIII, e do art. 21, inciso I, dispõe que o ato deverá acarretar “perda patrimonial efetiva” para fins de configuração de improbidade administrativa, desqualificando, portanto, o dano presumido.

Neste sentido, foi cancelado o Tema Repetitivo 1.096/STJ, que iria definir se a frustração da licitude de um processo licitatório ou sua dispensa indevida configura improbidade administrativa por dano presumido ao erário.

É importante destacar, no entanto, que isso não afasta a possibilidade de configuração de improbidade por violação dos princípios da Administração Pública, como previsto no art. 11 da Nova Lei de Improbidade Administrativa, sendo sempre necessária a comprovação do dolo. 

 

Indisponibilidade de bens agora exige comprovação de urgência e contraditório

Para mais, a indisponibilidade de bens anteriormente considerada uma tutela de evidência, agora exige comprovação de urgência, em casos de perigo de dano irreparável e um contraditório prévio, em conformidade com o artigo 16 da Nova Lei de Improbidade Administrativa.

Assim, esvazia-se a tese firmada no Tema Repetitivo 701/STJ, de que seria possível a decretação da indisponibilidade de bens quando ausente ou não demonstrada a prática de atos que induzam a conclusão de risco de dilapidação patrimonial, dificultando ou impossibilitando o eventual ressarcimento futuro

Na prática, portanto, por possuir natureza de tutela provisória de urgência cautelar – podendo ser revogada ou modificada a qualquer tempo –, qualquer indisponibilidade de bens em processo de improbidade administrativa que não tenha caráter de tutela de urgência deverá ser revogada (Informativo de Jurisprudência 800, publicado em 20/02/2024). Contudo, nada impede que seja feito novo pedido de indisponibilidade de bens, uma vez comprovada a urgência da medida.

 

Homologação judicial de acordo de não persecução cível em fase recursal

Por fim, mesmo durante a fase de recurso de uma ação de improbidade administrativa, é possível que o tribunal aprove um acordo que foi feito para resolver a questão consensualmente entre Ministério Público e o réu, sem continuar a ação judicial.

Esta possibilidade vem da interpretação do art. 17-B, §4º, acrescido pela Lei 14.230, que prevê explicitamente a possibilidade de acordo até mesmo no momento da execução da sentença (Informativo de Jurisprudência 728, publicado em 14/03/2022). Dessa forma, o investigado por improbidade administrativa ou réu em ação cível poderá realizar acordo com o Ministério Público em qualquer momento anterior ao trânsito em julgado da decisão final.

 

Prescrição intercorrente na Lei de Improbidade Administrativa

Por fim, a Nova Lei de Improbidade Administrativa também trouxe mudanças relevantes nos prazos de prescrição, incluindo a introdução da prescrição intercorrente.

Ela alterou o prazo prescricional das ações por improbidade, prevendo o prazo prescricional único de 8 anos, contados a partir da ocorrência do fato ou, no caso de infrações permanentes, do dia em que cessou a permanência (art. 23, caput).

Estabeleceu, ainda, as causas de suspensão e de interrupção do lapso prescricional previstas no artigo 23, § 4º, da Lei.

De acordo com seu texto, a prescrição intercorrente ocorre quando há inatividade processual durante o prazo de 4 anos e pode ser decretada de ofício pelo juiz ou a requerimento das partes (art. 23, §§ 5º e 8º).

Sobre o tema, o STF decidiu que o novo regime prescricional não é retroativo e que os prazos passam a contar a partir de 26/10/2021, data de publicação da Nova Lei de Improbidade Administrativa.

Na mesma linha, o STJ entende que o ato de improbidade administrativa praticado antes da alteração legislativa deve ser regulado pela lei em vigor ao tempo da sua prática, prevalecendo a garantia do ato jurídico perfeito e a segurança jurídica (Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial 1.865.853/SP).

 

Conclusão

O Direito é uma área que está sempre mudando para acompanhar o desenvolvimento da sociedade e as relações sociais. Da mesma forma, as decisões dos tribunais também precisam se adaptar às novas leis e à realidade social.

À medida que novos precedentes são estabelecidos, a aplicação da lei continua a evoluir, oferecendo um guia claro para a prática jurídica e a Administração Pública.

A compreensão detalhada dos casos práticos e da jurisprudência atual é essencial para todos aqueles que lidam com a aplicação da lei de improbidade, bem como aqueles que são diretamente impactados pela alteração legislativa, como os servidores públicos.

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