É possível que você já tenha ouvido falar em desapropriação ou que tenha sido
notificado sobre a necessidade do Poder Público em relação a algum bem de sua propriedade.
Porém, há diversas dúvidas sobre o que de fato é a desapropriação e como é realizada na prática: quais bens podem ser desapropriados? Como se defender judicialmente? Quais os direitos dos proprietários? O que deve ser incluído na indenização?
Assim, trouxemos os principais pontos que você precisa saber acerca da desapropriação e seus efeitos práticos-jurídicos, especialmente se você é proprietário de bem desapropriado.
O que é desapropriação?
A desapropriação é a perda do direito de propriedade sobre um bem para o Poder Público. Assim como o tombamento, a desapropriação é uma forma de intervenção do Estado na propriedade privada. No entanto, pode-se dizer que a desapropriação é mais radical, pois impõe ao proprietário do bem a perda da propriedade, pagando-lhe a adequada indenização
Previsão legal
A desapropriação possui previsão constitucional (artigos 22, II; 5º, XXIV; e 182, §4º, III), bem como infraconstitucional, no Decreto-Lei 3.365/1941 (utilidade e necessidade pública) e na Lei 4.132/1962 (interesse social).
Competência: qual órgão pode realizar a desapropriação?
Quando falamos de desapropriação, há três tipos de competências: legislativa, declaratória e executória, que dizem respeito a quais órgãos podem legislar, declarar ou executar tal medida.
A competência legislativa para dispor sobre desapropriação é privativa da União (art. 22, II da Constituição). Portanto, apenas o Congresso Nacional – composto pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal – pode elaborar e aprovar leis sobre a desapropriação.
A competência declaratória, em regra, é concorrente entre as três esferas (União, estados e municípios), materializada no chefe do Poder Executivo correspondente. Isso quer dizer que tanto o Presidente da República quanto os governadores de estado e os prefeitos podem declarar a desapropriação de um bem. Entretanto, há algumas exceções em que a competência declaratória não é concorrente, mas privativa, como no caso de reforma agrária, cuja competência é da União (art. 184 da Constituição).
Além disso, a competência declaratória não é exclusiva do Executivo. Em se tratando de utilidade e necessidade pública, há algumas exceções nas quais leis especiais conferem competência declaratória de utilidade pública de bens e propriedades a serem desapropriadas para determinadas autarquias, por exemplo:
- O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes – DNIT (art. 82, IX da Lei 10.233/2001) para a implantação do Sistema Federal de Viação; e
- A Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (art. 10 da Lei 9.074/1995) para a implantação de subestações de energia.
Por fim, a competência executória pode ser exercida pelos entes federados (União, estados, municípios e Distrito Federal), bem como pelas autarquias, fundações públicas, empresas públicas e sociedades de economia mista, e, ainda, pelas empresas que executem serviços públicos por meio de concessão ou permissão, desde que possuam autorização expressa constante de lei ou contrato, conforme o art. 3º do Decreto-Lei 3.365.
Diferenças entre desapropriação, concessão e tombamento
Em outros textos do nosso blog, já tratamos de diferentes formas de interseção entre as esferas pública e privada. Por isso, vamos a algumas diferenciações para que não haja nenhuma dúvida.
Ainda que a desapropriação e a concessão sejam institutos relacionados à gestão e uso de propriedades, destaca-se que a concessão é uma forma de participação do setor privado no público a fim de promover o interesse coletivo, enquanto a desapropriação, pelo contrário, é uma imposição do setor público ao privado.
Já o tombamento é instrumento de restrição da propriedade privada utilizado pelo Estado para proteger o patrimônio histórico, cultural, artístico e natural brasileiro. Inclusive, sua modalidade mais comum, o tombamento de imóveis, é muito conhecido pelas restrições de alteração das características do imóvel. A desapropriação, por sua vez, é a retirada do direito de propriedade do bem daquele particular.
Bens que podem ser desapropriados
Embora ocorra com mais frequência em bens imóveis, a desapropriação pode recair sobre bens de qualquer natureza, seja (i)móveis, (in)corpóreos, públicos ou privados. Destaca-se que, no caso de bem público, a União tem poderes para desapropriar bens dos estados e municípios e os estados podem desapropriar bens dos municípios, não sendo permitido a ordem inversa (municípios desapropriarem bens dos estados ou da União).
Requisitos constitucionais para a desapropriação
A Constituição, em seu art. 5º, XXIV, estabelece dois requisitos para a desapropriação:
- Existir necessidade, utilidade pública ou interesse social; E
- Ocorrer justa e prévia indenização em dinheiro.
Observe que os dois requisitos são cumulativos, ou seja, ambos precisam estar presentes. No entanto, a motivação da desapropriação pode variar, por isso cada hipótese será destrinchada a seguir.
Necessidade pública
A necessidade pública pode ser entendida como uma necessidade crucial e urgente para a sociedade, de modo que, a melhor solução para acabar com determinado problema social é utilizar-se daquele bem específico. Por exemplo, nos casos de construção de rodovia para melhorar o tráfego, de um hospital ou de uma instalação de estação de tratamento de água para fornecer água potável – no exato local em que existe um imóvel.
Utilidade pública
A utilidade pública é aquela relacionada a projetos convenientes ao interesse público, ou seja, a aquisição da propriedade pelo Poder Público por desapropriação é oportuna e vantajosa, mas não imprescindível. Um bom exemplo é a construção de espaços de lazer ou manutenção de monumentos históricos.
Interesse social
O interesse social é aquele que considera dar melhor aproveitamento, utilização ou produtividade à propriedade, em benefício do coletivo. Por exemplo, a desapropriação para a construção de casas populares ou reforma agrária.
Indenização por desapropriação
Na própria conceituação do instituto, temos que a desapropriação é feita mediante indenização. Mas, afinal, no que consiste a indenização? Quanto o proprietário expropriado tem direito a receber pela perda de sua propriedade?
O valor da indenização por desapropriação pode compreender não só o valor do bem, mas também:
- Lucros cessantes e danos emergentes;
- Custas e despesas processuais;
- Honorários advocatícios;
- Despesas com desmonte e transporte de mecanismos instalados e em funcionamento no bem; e
- Correção monetária.
Merecem destaque os juros compensatórios (art. 15-A do Decreto-Lei 3.365/41) e os juros moratórios. Os juros compensatórios foram acrescidos pela jurisprudência em função da demora do processo expropriatório. Dessa forma, poderão incidir juros compensatórios para compensar eventuais danos correspondentes a lucros cessantes comprovados pelo proprietário de até 6% a.a. (seis por cento ao ano) sobre o valor da diferença eventualmente apurada, contados da data de imissão na posse.
Os juros moratórios, por sua vez, têm por finalidade compensar o atraso no pagamento da indenização fixada na decisão final, incidindo 6% a.a. (seis por cento ao ano) contados a partir de 1º de janeiro do ano que deveria ser pago, quando a indenização é paga via precatório (art. 100 da Constituição).
Fundo de comércio
Não raras vezes o bem particular a ser expropriado possui destinação comercial. Nesses casos, o valor patrimonial daquele bem não se restringe ao valor do bem por si.
Assim, o fundo de comércio, isto é, elementos para além dos bens físicos que tornam aquele comércio atraente e bem-sucedido – como a reputação da empresa, clientela, e localização estratégica –, deve ser levado em consideração no valor da indenização.
Fundo de comércio
Embora os motivos para a desapropriação possam ser diferentes, todos os casos são embasados na ideia de que o interesse público prevalece sobre o interesse particular.
A desapropriação pode ser classificada conforme a iniciativa de indenização (direta e indireta) ou, ainda, pela sua finalidade (interesse público, sanção e expropriação).
Desapropriação direta
A desapropriação direta é aquela por meio do qual o Poder Público, com fundamento na utilidade pública, necessidade pública ou de interesse social e, mediante justa e prévia indenização, transfere para si a propriedade daquele bem expropriado. Assim, o próprio Poder Público já confere prontamente a indenização ao proprietário.
Desapropriação indireta
Já a desapropriação indireta, é aquela na qual o Poder Público retira a propriedade do particular, por exemplo, sem uma declaração de necessidade ou utilidade pública.
Ela acontece quando o governo toma medidas que, de maneira prática, retiram o uso pleno da propriedade de um indivíduo, sem uma ação direta de tomada de posse.
Exemplos incluem mudanças em regulamentações que afetam o uso da terra ou a instalação de infraestruturas públicas, como linhas de energia ou dutos, que impedem o uso regular do terreno.
Neste caso, o proprietário pode não perder a titularidade da propriedade, mas seu uso e valor podem ser significativamente reduzidos, levando a uma perda indireta, e aí então, a iniciativa de indenização deverá ser do proprietário lesado, por via judicial.
Nesse contexto, cabe destacar que, de acordo com o art. 519 do Código Civil, caso o Poder Público (1) não dê a destinação de utilidade pública que motivou a desapropriação ou (2) dê outra destinação que não seja de utilidade pública à propriedade, o proprietário expropriado pode exercer o direito de preferência na aquisição do bem.
Desapropriação por interesse público
A desapropriação por interesse público é aquela por utilidade ou necessidade pública ou interesse social. Como já destacamos, ela não implica em falha do proprietário e a indenização é realizada de forma prévia, justa e em dinheiro.
Desapropriação sanção
A desapropriação sanção ocorre como uma punição quando a propriedade não está cumprindo sua função social, seja em ambientes urbanos ou rurais. Nesse caso, o pagamento da indenização é feito por meio de títulos da dívida pública.
Desapropriação confiscatória ou expropriação
A desapropriação confiscatória ou expropriação é uma medida punitiva que envolve a responsabilização criminal do proprietário. Ela ocorre em terras onde são cultivadas substâncias psicotrópicas ou em casos de utilização de mão de obra escrava. Nesses casos, o proprietário perde a posse sem direito a indenização, uma vez que a desapropriação serve como uma punição pelo uso inadequado do imóvel.
Processo de desapropriação
O processo de desapropriação é dividido em duas fases, declaratória e executória, podendo, esta última ser realizada pela via administrativa ou judicial, conforme detalhado abaixo.
Fase declaratória
A desapropriação inicia-se na fase declaratória. Esse momento é aquele por meio do qual, o chefe do Poder Executivo competente – ou o chefe de determinado órgão nos casos especiais – aponta explicitamente os motivos e fundamentos que justificam a desapropriação. Tal declaração se dá pelo chamado decreto expropriatório, que deve indicar:
- O sujeito passivo (proprietário);
- A descrição do bem;
- A declaração de necessidade ou utilidade pública ou interesse social;
- A destinação específica a ser dada ao bem;
- O fundamento legal; e
- Os recursos orçamentários destinados ao atendimento da despesa.
A fase declaratória produz alguns efeitos jurídicos, como autorizar o expropriante a avaliar o bem para fins de indenização e iniciar os estudos iniciais para realização da obra pública (art. 7º do Decreto-Lei 3.365/41), contudo, ainda sem a transmissão de posse do bem.
Outro efeito relevante é iniciar o prazo para a efetivação da desapropriação, sendo de:
- Cinco anos para os casos de necessidade e utilidade pública, previstos no Decreto-Lei 3.365/41; e
- Dois anos para os casos de interesse social, previstos na Lei 4.132/62.
Fase executória
Em seguida, a fase executória é o momento no qual o expropriante inicia, de fato, as ações necessárias para que a propriedade seja transferida do particular para o Poder Público, podendo ocorrer administrativamente ou pela via judicial.
Via administrativa
Apesar de incomum, a desapropriação pode ser realizada na esfera administrativa se o Poder Público celebrar um acordo com o proprietário, inclusive em relação ao valor da indenização. Nota-se que, no acordo, o proprietário discute apenas o valor indenizatório, não entrando no mérito da fundamentação da desapropriação.
Via judicial
Na via judicial, a discussão jurídica limita-se à indenização ou vícios formais do processo. Qualquer outro ponto, como as razões de necessidade ou utilidade pública que fundamentam a desapropriação, deve ser contestado em ação própria e não na ação de desapropriação (art. 9 e 20 do Decreto-Lei 3.365/41).
A propriedade somente será transferida com a decisão com trânsito em julgado e com o pagamento da indenização, tendo em vista a previsão de “pagamento prévio” contida na Constituição.
Porém, o expropriante pode requerer a imissão provisória na posse, mediante:
- Declaração de urgência (a ser julgada pelo magistrado);
- Depósito de valor ofertado, na forma do art. 15, §1º do Decreto-Lei 3.365/41; e
- Requerimento da imissão provisória em até 120 dias contados da declaração de urgência.
Nos casos de imissão provisória na posse, é permitido ao proprietário levantar o valor depositado, na seguinte proporção:
- 80% caso não concorde com a transferência da propriedade; ou
- 100% caso concorde com a transferência imediata da propriedade, sem abrir mão de continuar discutindo a indenização final (art. 34-A, §2º do Decreto-Lei 3.365/41).
Dúvidas comuns sobre desapropriação
O que é desapropriação indireta e como ela difere da direta?
A desapropriação indireta ocorre quando o governo impõe restrições que afetam o uso da propriedade, sem uma ação formal de desapropriação, como mudar a regulamentação de zoneamento. Já a desapropriação direta envolve a tomada formal da propriedade pelo Estado para um propósito específico, com uma compensação estabelecida.
Quais são os direitos do proprietário em caso de desapropriação de imóvel?
Os proprietários têm direito a uma indenização justa e prévia pelo valor de mercado do imóvel, incluindo quaisquer melhorias realizadas. Eles também têm o direito de contestar o valor oferecido ou o próprio processo de desapropriação se acreditarem que seus direitos não foram respeitados.
Como é calculado o valor da indenização na desapropriação?
O valor da indenização é geralmente baseado no valor de mercado do imóvel, incluindo as benfeitorias e os lucros cessantes. Em alguns casos, podem ser incluídos danos emergentes e outras despesas relacionadas.
O que fazer se eu não concordar com o valor oferecido pelo governo?
Se o proprietário não concordar com o valor oferecido, ele pode negociar diretamente com o governo ou contestar a oferta através de uma ação judicial, solicitando uma reavaliação independente para garantir uma compensação justa.
Conclusão
O conhecimento do instituto, requisitos e efeitos da desapropriação é muito importante para os cidadãos, pois permite a compreensão de seus direitos como proprietário e auxilia, principalmente, na busca de uma justa indenização no processo.
Caso seja proprietário de algum imóvel em desapropriação ou ainda reste alguma dúvida sobre o procedimento, entre em contato conosco e saiba como podemos ajudar!
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