Pular para o conteúdo

Uma análise sobre os contratos de concessão de transporte público coletivo

Concessão de transporte público - José Rubens Costa Consultoria Jurídica e Advocacia

Imagem: Divulgação PBH.
.

A legislação brasileira atribui ao Estado a responsabilidade pela execução de atividades destinadas a atender às necessidades da sociedade como um todo, atividades que denominamos de serviços públicos.

Estes serviços podem ser realizados diretamente pelo próprio governo ou indiretamente, por meio de terceiros, e sob diferentes formas de delegação.

O transporte público coletivo de passageiros geralmente é operado por contratos de concessão a empresas privadas, estando sujeitos a um regime jurídico que abrange princípios, normas e regulamentos específicos que devem ser rigorosamente seguidos.

Neste artigo, exploraremos os diversos aspectos da concessão de transporte público coletivo de passageiros, notadamente por ônibus

Abordaremos as definições, os tipos de contrato e a maneira como são regulamentados e fiscalizados os serviços. Além disso, discutiremos algumas tendências relacionadas aos modelos contratuais.

 

O transporte público coletivo de passageiro

 

O transporte público coletivo de passageiros é um serviço essencial para a mobilidade urbana e interurbana, desempenhando um importante papel no desenvolvimento econômico e social das cidades e regiões.

Este serviço é destinado ao deslocamento de pessoas dentro de áreas urbanas e metropolitanas, bem como entre diferentes municípios, estados ou até países, facilitando o acesso a diversas atividades cotidianas, como trabalho, educação, saúde e lazer.

Por definição, o transporte público coletivo de passageiros envolve a utilização de veículos, como ônibus, trens, metrôs e barcos, que operam em rotas fixas ou flexíveis, oferecendo um serviço acessível a toda a população.

A importância do transporte público reside na capacidade de proporcionar um meio de deslocamento eficiente e econômico, que contribui para a redução do trânsito e da poluição ambiental, além de promover a inclusão social ao oferecer acessibilidade a pessoas de diferentes classes sociais.

 

Direito social e serviço essencial

 

A Constituição de 1988 estabeleceu, inicialmente, em seu artigo 6º, que são direitos sociais: a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, e a assistência aos desamparados.

Embora o transporte público não estivesse explicitamente listado nesse artigo, ele já era implicitamente considerado um direito social, pois é essencial para o acesso a diversos outros direitos constitucionais, como educação, trabalho, saúde e lazer.

A partir de 2015, portanto, com a Emenda Constitucional 90/2015, o transporte foi incluído como um direito social neste artigo 6º da CF, reforçando essa compreensão.

Já em relação à sua essencialidade, o transporte público coletivo é também classificado como um serviço essencial pela legislação brasileira. A Lei 7.783/1989, que dispõe sobre o exercício do direito de greve, em seu artigo 10, inciso V, inclui os serviços de transporte coletivo entre os serviços ou atividades essenciais.

Esta classificação implica que a interrupção desses serviços deve ser evitada ou minimizada, garantindo a continuidade do atendimento à população. E é neste contexto que a concessão de transporte público pelo Estado ao particular pretende viabilizar um serviço amplo e eficiente.

Além disso, a Lei 12.587/2012, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU), estabelece princípios e diretrizes para o planejamento e a gestão dos serviços de transporte público. Entre seus objetivos estão:

  • Acessibilidade universal;
  • Desenvolvimento sustentável das cidades;
  • Melhoria da qualidade de vida da população; e
  • Equidade no acesso ao transporte público.

 

Prestação direta ou delegação do serviço público?

 

A Constituição estabelece que cabe à União a responsabilidade de explorar, diretamente ou por meio de autorização, concessão ou permissão, os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, conforme disposto no artigo 21, inciso XII, alínea “e”.

Por sua vez, os Municípios têm a incumbência de organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluindo o transporte coletivo municipal, que possui caráter essencial, conforme o artigo 30, inciso V.

Em relação aos Estados, a competência é residual, de acordo com o artigo 25, § 1º, da Constituição. Este artigo reserva aos Estados as competências não explícitas na Constituição, o que implica que a exploração do serviço de transporte rodoviário intermunicipal de passageiros, excluídas as atribuições municipais e federais, cabe aos Estados.

Portanto, a Constituição e a Lei 12.587/2012 fornecem a base legal para a gestão do transporte público no Brasil e enfatizam a responsabilidade do Poder Público em assegurar a prestação de serviços de transporte coletivo eficientes e acessíveis.

Contudo, a legislação também permite a delegação desses serviços à iniciativa privada, desde que através de processos de concessão ou permissão, respeitando os princípios da Administração Pública, como a transparência, a eficiência e a economicidade.

 

Concessão de serviço público

 

A concessão de serviço público – que engloba a concessão de transporte público – é o contrato administrativo bilateral celebrado entre a Administração Pública e uma empresa particular, no qual o Estado transfere a execução de um serviço público para que este seja exercido em nome da empresa e por sua conta e risco, mediante tarifa paga pelos usuários.

Conforme a Lei de Concessões (Lei 8.987/1995), art. 2º, II, a concessão exige licitação na modalidade concorrência e é formalizada por meio de um contrato administrativo, previsto no art. 4º da mesma lei.

Ela é caracterizada pelo alto grau de formalidade e pela transferência de responsabilidades significativas ao concessionário, incluindo a prestação contínua e adequada dos serviços.

Ainda, a concessão possui prazo determinado e a sua rescisão antecipada pode ensejar o dever de indenizar, refletindo a preponderância do interesse público. E com relação ao prestador do serviço, a concessão poderá ser feita apenas para pessoa jurídica ou consórcio de empresas.

Confira mais detalhes em nosso artigo sobre concessões de serviço público.

 

Concessão comum

 

Nesse tipo de contrato, a concessionária realiza os investimentos necessários e assume os riscos da exploração da atividade, remunerando-se por meio da cobrança de tarifas junto aos usuários e/ou da exploração de eventuais receitas acessórias (não tarifárias).

 

Parceria Público-Privada (PPP)

 

As Parcerias Público-Privadas (PPPs) são contratos de prestação de serviços de médio e longo prazos (de 5 a 35 anos), regidos pela Lei 11.079/2004, firmados pela Administração Pública com valor mínimo de R$10 milhões.

As PPPs também são contratos de concessão, mas seu objeto é um serviço público que não se remunera somente pelas tarifas dos usuários, e por isso são denominados especiais.

Diferentemente do que ocorre com as concessões comuns, a remuneração da concessionária, nas PPPs, vem de contraprestações pagas pelo Poder Público, em parte ou na totalidade.

Há duas modalidades de PPPs: a concessão patrocinada e a concessão administrativa. Confira mais detalhes em nosso artigo dedicado à concessão no formato de Parceria Público-Privada.

 

Subconcessão

 

A subconcessão é uma modalidade onde o concessionário original transfere a execução parcial ou total do objeto da concessão para outro operador, denominado subconcessionário.

Também regida pela Lei 8.987/1995, a subconcessão deve ser previamente autorizada pelo poder concedente, e os riscos podem ser repassados ao subconcessionário, mas o concessionário original ainda mantém a responsabilidade perante o poder concedente.

Além disso, o prazo da subconcessão não pode ultrapassar o prazo da concessão original.

 

Permissão

 

Já a permissão é um ato administrativo discricionário e precário que permite ao particular a prestação de um serviço público, com interesse predominante da coletividade.

De acordo com a Lei 8.987/1995, art. 2º, IV, a permissão de serviços públicos é formalizada por contrato de adesão e exige a realização de licitação, sem definir a modalidade.

Além de ser um ato unilateral, também é precária, podendo ser revogada a qualquer momento sem a obrigação de indenizar. Ou seja, ainda que haja um prazo estipulado, o Poder Público pode voltar a prestar o serviço se e quando entender necessário.

Com relação ao prestador do serviço, pessoas físicas ou jurídicas poderão prestar os serviços por meio de permissão. Desse modo, é possível considerar que a concessão oferece mais segurança jurídica do que a permissão.

 

Autorização

 

Por último, a autorização é um ato administrativo pelo qual a Administração Pública permite ao particular realizar uma atividade de interesse predominantemente privado ou utilizar um bem público.

Diferente das concessões e permissões, a autorização não exige licitação prévia. Trata-se de um ato unilateral, discricionário e precário, podendo ser revogado a qualquer momento sem a necessidade de indenização.

Nesse contexto, a Constituição, ao definir as competências administrativas da União (art. 21, XI e XII), incorporou o instituto da autorização ao lado das modalidades tradicionais de permissão e concessão, conforme estabelecido no artigo 175, caput.

Existem duas principais linhas de pensamento na doutrina brasileira sobre o art. 21, XI e XII, da Constituição:

  • A primeira linha argumenta que esse preceito deve ser interpretado de forma lógica e sistemática em relação ao art. 175, caput, da Constituição. Essa interpretação restringe a autorização para serviços públicos a situações onde a atividade é exercida no interesse do titular ou em casos emergenciais.
  • Em contraste, uma visão mais recente defende que a previsão constitucional tem uma razão específica, permitindo um alcance mais amplo para o instituto da autorização.

De acordo com a segunda linha, é possível afirmar que a previsão da autorização nos artigos 21, XI e XII da Constituição visa, considerando a nova realidade tecnológica, fornecer à União mais um mecanismo para transferir a execução de serviços públicos a terceiros.

Isso é particularmente relevante num contexto onde se observa uma gradual desconsideração do caráter precário do instituto da autorização, juntamente com o reconhecimento de que sua outorga pode respeitar o princípio da igualdade perante a Administração, ainda que não haja a obrigatoriedade de licitação.

 

Tema 854 do STF

 

O Tema 854 da Repercussão Geral do Supremo Tribunal Federal (STF) trata da obrigatoriedade de licitação para a prestação de serviços públicos de transporte coletivo.

A controvérsia surgiu devido a várias leis municipais e estaduais que permitiam a prestação desses serviços pela iniciativa privada mediante mero procedimento de credenciamento, sem licitação.

O STF, ao apreciar o tema em 2021, não recepcionou dispositivos normativos do Estado de São Paulo que autorizavam essa prática sem licitação. Assim, fixou a tese de que, salvo em situações excepcionais devidamente comprovadas, a concessão de transporte público coletivo deve ser precedida por licitação pública, conforme o artigo 175 da Constituição. Este princípio busca garantir que a seleção das concessionárias ocorra de maneira transparente e justa, promovendo a escolha da proposta mais vantajosa para a sociedade.

 

ADI 6.270/DF e ADI 5.549/DF

 

Por outro lado, nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 6.270/DF e 5.549/DF, julgadas em 2023, o STF analisou a constitucionalidade das alterações introduzidas pela Lei 12.996/2014 na Lei 10.233/2001, que passaram a permitir a outorga de serviços regulares de transporte terrestre coletivo de passageiros mediante simples autorização, sem necessidade de licitação.

O Tribunal, ao julgar essas ações, considerou que o regime de autorização poderia ser constitucional quando aplicado ao transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, desde que desvinculado da exploração de infraestrutura.

Esta decisão foi fundamentada na possibilidade de aumentar a competitividade e eficiência no setor, atendendo a requisitos específicos estabelecidos pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). E a maioria dos ministros seguiu a conclusão do relator das ações, ministro Luiz Fux, que julgou improcedentes os pedidos.

Conforme sua análise, a regra geral é a obrigatoriedade da licitação. No entanto, em se tratando de transporte rodoviário interestadual e internacional, uma interpretação sistêmica da Constituição permite a autorização desse serviço sem a necessidade de licitação, desde que não envolva a exploração de infraestrutura e sejam respeitados os princípios da Administração Pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência).

Além disso, Fux destacou que o regime de autorização teve um impacto positivo na abertura do setor e trouxe benefícios aos usuários dos serviços de transporte.

 

Regulamentação e fiscalização

 

A regulamentação e fiscalização dos contratos de concessão de transporte público coletivo de passageiros no Brasil varia conforme a área de atuação do serviço. Este sistema é dividido entre a União, os Estados e os Municípios, cada qual responsável por uma jurisdição específica.

A União é responsável pela regulamentação e fiscalização do transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros. A fiscalização, nesse âmbito, se dá por meio da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que é o órgão responsável por todas as viagens de ônibus e empresas de transporte no Brasil.

Os Estados têm a competência para regulamentar e fiscalizar o transporte intermunicipal de passageiros. Em Minas Gerais, por exemplo, o órgão responsável pela fiscalização é o Departamento de Edificações e Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG).

Os Municípios são responsáveis pelo transporte urbano, ou seja, a prestação direta ou a concessão do transporte coletivo municipal. Em Belo Horizonte, a Prefeitura constituiu a BHTRANS para ser o órgão gerenciador de transporte e trânsito de Belo Horizonte, tendo a competência de fiscalizar a prestação dos serviços públicos de transportes por ônibus, táxi, escolar, suplementar e fretado.

As regras para a prestação deste serviço, bem como as penalidades devido ao descumprimento das normas impostas, são específicas da área de transporte e não se confundem com a aplicação da legislação de trânsito.

 

Tendências em contratos de concessão de transporte público coletivo

 

Há uma convergência crescente entre os setores público e privado sobre a necessidade de repactuação contratual devido aos desequilíbrios financeiros gerados pela pandemia  de Covid-19 e este cenário abre oportunidades para transformar os contratos de concessão de transporte público coletivo.

Para além da necessidade, há um contexto político favorável, com as discussões sobre o Marco Legal do Transporte Público Coletivo, o Sistema Único de Mobilidade e o Plano Nacional de Mobilidade Urbana.

A seguir, apresentamos alguns caminhos para a elaboração de contratos que podem viabilizar um transporte coletivo de maior qualidade.

 

Indicadores de qualidade que contemplem a percepção dos usuários

 

A qualidade do serviço de transporte público deve ser avaliada não apenas por indicadores operacionais, mas também pela satisfação dos usuários.

No Brasil, a remuneração dos operadores municipais é, muitas vezes, vinculada unicamente à cobrança da tarifa, sem considerar a qualidade do serviço prestado. Incorporar pesquisas de satisfação e reclamações dos passageiros como parte dos critérios de avaliação é essencial.

São Paulo já deu passos nesse sentido, incluindo a satisfação dos clientes como um indicador no seu Índice de Qualidade do Transporte (IQT).

Atrelar a remuneração dos operadores à qualidade do serviço, avaliada por indicadores de satisfação dos usuários, incentiva uma prestação de serviços mais centrada nas necessidades dos passageiros.

 

Diversificação das fontes de receitas

 

A sustentabilidade financeira do transporte público coletivo não pode depender exclusivamente da receita tarifária. A pandemia de Covid-19 evidenciou a fragilidade desse modelo, com a queda de demanda, agravando a situação financeira dos sistemas de transporte em muitas cidades, sendo necessária a adoção de subsídios de tarifa.

Além disso, disponibilizar espaços publicitários em abrigos de ônibus, terminais e estações pode gerar receitas significativas. Belo Horizonte, por exemplo, concedeu a gestão dos abrigos de ônibus a uma empresa que comercializa espaços publicitários, gerando milhões em ganhos e economias para o Poder Público.

A exploração comercial de espaços em terminais e estações, como ocorre no Metrô de São Paulo, oferece outra fonte importante de receitas extra tarifárias. A venda de produtos e serviços nesses locais contribui significativamente para a receita total do sistema.

Medidas como estacionamento rotativo e taxação de congestionamento têm grande potencial de arrecadação, ajudando a financiar o transporte público.

 

Mecanismos em contratos para alavancar a inovação

 

A inovação no transporte público é essencial para atender às demandas de mobilidade urbana de maneira eficiente e sustentável. Contratos de concessão de transporte público podem incluir mecanismos que incentivem a inovação, para a implementação de soluções disruptivas como a de Mobilidade como um Serviço (MaaS) e ônibus sob demanda – que já são realidade em São José dos Campos.

A integração de diferentes modos de transporte em uma única plataforma digital, poderia permitir aos usuários planejar, reservar e pagar por várias formas de transporte. Imagine se em um mesmo aplicativo fosse possível pedir um carro de aplicativo e um ônibus para determinada rota. Esse recurso pode soar irreal, mas certamente tornaria a mobilidade urbana mais eficiente e personalizada.

Além disso, como mecanismos mais palpáveis podemos citar a implementação de sistemas avançados de monitoramento e planejamento, como GPS e centros de controle operacional, melhoram a eficiência da operação e a qualidade do serviço prestado.

 

Conclusão

 

A concessão de transporte público coletivo de passageiros, especialmente por ônibus, é um tema central para o desenvolvimento urbano e a mobilidade. Através de um entendimento aprofundado da legislação, dos diferentes tipos de contratos e das tendências emergentes, é possível vislumbrar caminhos para a melhoria contínua desse serviço essencial.

A adoção de práticas inovadoras, o uso de indicadores de qualidade baseados na percepção dos usuários e a diversificação das fontes de receita, são estratégias promissoras para enfrentar os desafios atuais e futuros.

A integração de tecnologia e a busca por modelos de parceria mais equilibrados entre o setor público e privado, como as Parcerias Público-Privada, podem transformar a qualidade do transporte coletivo, garantindo que ele continue a ser uma solução viável e eficiente para as necessidades de mobilidade da população.

Assim, ao alinhar os interesses públicos e privados com foco na qualidade do serviço e na satisfação dos usuários, o setor de transporte público coletivo pode evoluir para oferecer um serviço cada vez mais eficiente, acessível e sustentável, contribuindo significativamente para o bem-estar social e o desenvolvimento econômico das cidades brasileiras.

Se você gostou do nosso conteúdo, deixe seu comentário abaixo e nos avalie no Google. Saber se essas informações lhe foram úteis é muito importante para nós!

Caso ainda tenha ficado com alguma dúvida, entre em contato conosco e saiba como podemos ajudar.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *