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Doação como instrumento do Planejamento Sucessório: como funciona?

Doação - José Rubens Costa Consultoria Jurídica e Advocacia

No Brasil, a alternativa do “não planejamento” parece ser a mais adotada quando tratamos de herança e direitos de sucessão. Alguns ainda sabem da existência do testamento, mas este não é o único instrumento para um bom planejamento sucessório.

Visando o bem-estar familiar na sucessão patrimonial, diversas opções previstas no Código Civil Brasileiro, como a doação, podem ser adotadas no contexto do planejamento sucessório.

Isso porque inventários frequentemente resultam em conflitos e desconfortos familiares, além de apresentarem um custo elevado e oferecerem pouca praticidade.

Este artigo visa fornecer uma análise aprofundada sobre a doação, abordando sua função, características e as diferentes formas legais de realizá-la.

Além disso, exploraremos as cláusulas restritivas que podem ser incorporadas aos contratos de doação e discutiremos como as doações se encaixam no cenário do planejamento sucessório, destacando vantagens tributárias, limitações e sua importância

Doação no Código Civil

A doação, conforme definida no artigo 538 do Código Civil, é um contrato onde uma pessoa transfere por liberalidade, bens ou vantagens para outra pessoa.

É um negócio jurídico bilateral, ou seja, exige a participação de duas partes, o doador e o donatário. O doador é a pessoa que transfere os bens ou vantagens, enquanto o donatário é a pessoa que recebe. 

Por ser um ato de liberalidade, não exige qualquer contrapartida do donatário e o doador pode doar qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

Funções

A doação pode desempenhar diversas funções, sendo comumente utilizada para fins de caridade e apoio a causas sociais, como a proteção do meio ambiente, a educação ou a saúde. Já no contexto do planejamento sucessório, a sua função é antecipar a transferência de patrimônio e evitar custos e demora associados à sucessão tradicional.

A transferência de patrimônio geralmente se dá entre os parentes próximos, de ascendente para descendente, entre avós e pais, para filhos e netos, entre cônjuges, e amigos.

Características

A doação é caracterizada por ser um ato gratuito, movido pela liberalidade do doador, sendo necessário o aceite pelo donatário. Para ser válida, a doação deve apresentar, no mínimo, as seguintes características:

  • Bilateralidade: a doação exige a participação de duas partes, o doador e o donatário.
  • Gratuidade: a doação é um ato gratuito, não exigindo qualquer contrapartida do donatário.
  • Transferência de propriedade: a doação implica na transferência da propriedade dos bens doados para o donatário.
  • Eficácia entre as partes e para terceiros: a doação produz efeitos entre as partes e também para terceiros.

 

Formas de doação em vida

A doação pode ser feita por escritura pública, instrumento particular ou verbalmente, dependendo das circunstâncias. 

Tratando-se de doação de bens imóveis, deve ser feita por escritura pública, enquanto a doação de bens móveis pode ser feita por escritura pública ou por instrumento particular.

Escritura pública

A doação por escritura pública é formalizada em cartório, pois consiste em um documento lavrado por um tabelião, que tem fé pública. É a forma mais segura de fazer uma doação, pois garante a validade do ato e a sua publicidade e deve conter, pelo menos, as seguintes informações:

  • Nome e qualificação das partes;
  • Descrição dos bens doados;
  • Valor dos bens doados;
  • Declaração de aceitação do donatário.

Instrumento particular

O instrumento particular é um documento assinado pelas partes envolvidas na doação. É uma forma válida de doação, mas não tem a mesma publicidade da escritura pública, sendo recomendada para situações menos complexas. 

Ele pode ser utilizado para realizar uma doação de bens, desde que o valor dos bens seja inferior a 30 salários mínimos (artigo 108 do Código Civil).

Verbalmente

A doação verbal é a menos formal e, portanto, menos recomendada dentre todas as possibilidades. Aceitável apenas para bens móveis de pequeno valor, deve ser seguida pela entrega imediata do bem.

 

Cláusulas restritivas dos contratos de doação

Para que a doação cumpra exatamente com a sua função de instrumento para o planejamento sucessório, existem regras que podem servir de condição ou guia, e são efetivadas pela inclusão de cláusulas restritivas na redação do contrato de doação.

As cláusulas restritivas são instrumentos legais que limitam a doação e protegem os interesses das partes envolvidas. As principais são:

 

Usufruto

A cláusula de usufruto permite ao doador o direito de usufruir temporariamente do bem doado, mantendo benefícios como o recebimento de aluguéis. O usufruto é o direito de usar e gozar de um bem, sem alterar a sua substância. O usufrutuário pode usufruir do bem doado, mas não pode vendê-lo, doá-lo (novamente) ou emprestá-lo.

Reversão

A cláusula de reversão prevê o retorno dos bens ao doador se determinadas condições não forem atendidas. Ela estipula que os bens doados voltarão ao patrimônio do doador, se o donatário morrer antes dele, por exemplo, e não pode ser utilizada em favor de terceiros.

Inalienabilidade

A cláusula de inalienabilidade restringe a transferência dos bens doados, protegendo o patrimônio contra vendas não autorizadas. Ela é a cláusula que impede o donatário de vender os bens doados.

Impenhorabilidade

A cláusula de impenhorabilidade, por sua vez, protege os bens doados de serem utilizados para quitar dívidas do donatário em caso de execução judicial.

Incomunicabilidade

A cláusula de incomunicabilidade impede que os bens doados sejam partilhados em caso de divórcio ou separação do donatário, pois ela impede que os bens doados integrem o regime de bens da união.

 

Doação como planejamento sucessório

A doação de bens em vida implica na antecipação da transferência patrimonial aos herdeiros, eliminando a necessidade de abertura de inventário, ou tornando-o mais simples, após o falecimento e também visando a preservação da harmonia entre os herdeiros.

No entanto, como o sucedido ainda está vivo, a transmissão dos bens por meio da doação deve ser estruturada de forma a assegurar tanto sua renda própria, para subsistência, quanto o controle sobre o patrimônio, caso deseje.

Na prática, o doador pode reter a posse e usufruto dos bens enquanto estiver vivo, apenas registrando a destinação da herança para o futuro.

Como discutido anteriormente, várias são as cláusulas restritivas que podem ser adotadas para efetivar a transferência de bens do doador para o donatário sem que o primeiro perca o domínio sobre o bem ou que o bem receba um propósito distinto de sua intenção original.

Quando falamos de planejamento sucessório, as vantagens tributárias são frequentemente abordadas. Vejamos, então quais são elas no âmbito da doação.

 

Possíveis vantagens tributárias

Independentemente da situação, o patrimônio estará sujeito ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos (ITCMD), que deve ser quitado pelo destinatário dos bens ou direitos, seja por herança ou doação em vida.

Como é um imposto estadual, cada um dos 26 estados brasileiros e o DF possui autonomia para definir sua alíquota específica, podendo esta ser fixa ou progressiva, desde que não exceda a marca de 8%.

Embora a doação em vida esteja sujeita à incidência do imposto ITCMD, o estado pode aplicar alíquotas inferiores em comparação à situação de transmissão causa mortis (como ocorre no Mato Grosso do Sul, Amapá, Alagoas e Acre, por exemplo), ou até mesmo isentar o pagamento do tributo, mediante o cumprimento de determinadas condições.

Além disso, é necessário citar a reforma tributária (Emenda Constitucional 132/2023), que prevê a progressividade do ITCMD, de forma que a alíquota subirá conforme o valor envolvido na doação ou herança. Portanto, é bem provável que o valor do imposto seja mais alto futuramente, em especial para valores maiores.

Sendo assim, o ponto de vista tributário não é o maior atrativo da doação, havendo outras ferramentas melhores nesse sentido. Entretanto, as menores vantagens tributárias podem ser compensadas pela baixa complexidade da operação, a depender da situação, em relação a outros instrumentos de planejamento sucessório.

 

Limitações

Todavia, assim como os benefícios e vantagens proporcionadas, é importante estar ciente também das limitações existentes para os contratos de doação.

A doação de ascendente a descendente, ou de um cônjuge a outro, sem qualquer ressalva, importa em adiantamento do que lhes cabe por herança. Os herdeiros que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.

Para que isso não ocorra, ou seja, o bem doado seja dispensado da colação, deve-se registrar no próprio título de liberalidade ou ser dispensado pelo doador em testamento.

Ainda, o Código Civil determina a necessidade de outorga conjugal (anuência do cônjuge), exceto no regime da separação absoluta, para a doação de bens comuns ou dos que possam integrar futura meação, restando como anulável o ato que a outorga faltar e não for suprida judicialmente.

Por outro lado, uma falsa impressão que se tem, geralmente, é que pessoas com 70 anos ou mais possuem restrições para realizar doações, muito provavelmente em função da obrigatoriedade de adoção do regime da separação obrigatória de bens, ao se casarem ou constituírem união estável com esta idade.

No entanto, essa regra não se aplica às doações. As pessoas com 70 anos ou mais podem doar bens a quem quiserem, sem restrições especiais ou diferentes das demais aplicáveis.

 

Nulidade da doação

Além das restrições mencionadas, a doação pode ser declarada nula caso haja vício de vontade (erro, dolo, coação ou simulação) ou por infração à lei, podendo ocorrer também em situações específicas, como na doação universal ou na doação inoficiosa.

 

Universal

A doação universal é aquela que abrange todos os bens do doador. É nula, pois viola o princípio da reserva legal, que determina que o doador deve reservar parte do seu patrimônio para a sua subsistência e para os seus herdeiros necessários.

Apesar da proibição legal da doação universal, é viável a doação de todo o patrimônio pelo doador, desde que seja mantida uma fonte de renda ou reserva de usufruto, garantindo a preservação de um patrimônio mínimo para sua subsistência.

Dessa forma, pode ser imprescindível incluir no contrato de doação a cláusula de usufruto. Por meio dela, o doador, apesar da transferência da propriedade ao donatário, retém o direito de posse, administração e usufruto dos frutos/rendimentos relacionados ao bem doado, evitando a configuração de uma doação universal ilícita.

 

Inoficiosa

A doação inoficiosa, também conhecida como doação fora da parte disponível, refere-se a uma doação de patrimônio que ultrapassa a parte da herança que a lei permite que seja doada livremente.

Conforme previsto pelo artigo 1.846 do Código Civil, 50% (cinquenta por cento) da herança pertence obrigatoriamente aos herdeiros necessários, que englobam descendentes, ascendentes e o cônjuge, constituindo assim a legítima. A outra metade da herança, por conseguinte, fica sujeita à disposição livre do indivíduo por meio de testamento ou doação.

Doações inoficiosas, que alcançam a parte legítima dos herdeiros necessários, podem ser anuladas judicialmente.

 

Quando uma doação pode ser revogada?

A doação também pode ser desfeita em outras situações excepcionais. A legislação brasileira explicita claramente duas situações no artigo 555 do Código Civil, que são a ingratidão do donatário ou o descumprimento do encargo ou condição que fora instaurada para a concretização do negócio jurídico

Na sequência do Código Civil, são listadas diversas circunstâncias que configuram ingratidão, como:

  • Tentativa de homicídio contra o doador;
  • Agressão física;
  • Injúria;
  • Calúnia; ou 
  • Recusa em fornecer assistência alimentar ao doador necessitado.

A revogação pode ser acionada também quando o ofendido for cônjuge/companheiro, ascendente, descendente ou irmão do doador, conforme indicado no artigo 558 do Código Civil.

O direito de revogação por ingratidão deve ser exercido por meio de ação revocatória que precisa ser iniciada no prazo decadencial de um ano.

O direito de revogar a doação é caracterizado como potestativo (que depende da vontade de uma parte) e personalíssimo (intransferível), podendo ser exercido exclusivamente pelo próprio doador

Seus herdeiros têm permissão apenas para dar continuidade a uma ação revocatória já iniciada, exceto em casos de homicídio doloso do doador, nos quais a ação caberá, evidentemente, aos herdeiros.

 

Conclusão

Seja no apoio a familiares, na promoção do planejamento sucessório ou na busca por vantagens tributárias, vimos que compreender as nuances da doação é essencial para tomar decisões informadas e garantir que os interesses das partes envolvidas sejam protegidos. 

A doação é uma ferramenta valiosa no universo do direito civil brasileiro, que permite a transferência de patrimônio de forma antecipada e estratégica. Com a possibilidade de adoção de cláusulas restritivas, ela se destaca como um instrumento relativamente simples e poderoso para o planejamento sucessório e patrimonial.

Contudo, dado que a doação não permite arrependimento (sendo caracterizada como um ato irrevogável e irretratável, geralmente), é essencial que os doadores façam essa escolha somente após uma cuidadosa consideração de todas as suas implicações.

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