Pular para o conteúdo

Responsabilidade civil do médico: aspectos jurídicos essenciais

Responsabilidade civil do médico - José Rubens Costa Consultoria Jurídica e Advocacia

A responsabilidade civil do médico diz respeito às consequências legais de situações nas quais o profissional poderá responder por seus atos (ações ou omissões) que, eventualmente, tenham gerado danos aos seus pacientes no exercício de sua profissão.

No Direito, em geral, quando um indivíduo provoca um dano a outro, ele será obrigado a indenizar a vítima na esfera cível, sem prejuízo de eventual responsabilidade criminal ou administrativa do mesmo ato.

O mesmo ocorre para todas as profissões liberais, nas quais estão englobados os médicos.

Em especial a este grupo de profissionais, que lida diariamente com a vida e a saúde das pessoas, o tema responsabilidade civil se torna ainda mais relevante.

Tão importante quanto a formação e especialização, durante a graduação e a residência médica, é a compreensão de suas responsabilidades no exercício da função médica.

Afinal, entender os limites dessa responsabilidade e qual norma a regulamenta é fundamental para um desempenho seguro e informado de suas funções.

Por isso, vamos discutir no artigo de hoje a responsabilidade civil médica.

Qual a lei aplicável?

Antes de falarmos das características da responsabilidade civil médica, é importante mencionar que existem diferentes leis relevantes ao contexto. Na maior parte dos casos que envolvem uma relação entre particulares, o Código Civil é a lei que regulamenta a responsabilidade civil. Mas, em casos especiais, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) também pode ser aplicado.

Vejamos, a seguir, quando cada um deles é aplicável.

 

Código Civil

O Código Civil estabelece as regras gerais de relações entre particulares, incluindo, as disposições gerais sobre responsabilidade civil.

O médico, enquanto profissional liberal, é tido como prestador de serviços. Portanto, há uma relação contratual entre o prestador e o tomador de serviços (paciente), que será regida pelo Código Civil, especificamente, em caso de inadimplemento.

Porém, quando falamos da relação médico-paciente, o paciente quase sempre é compreendido como consumidor, o que atrai a incidência do CDC.

 

Código de Defesa do Consumidor (CDC)

O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é uma legislação especial aplicável às relações de consumo.

Assim, ainda que a relação médico-paciente se trate de uma relação entre particulares, se ficar configurada a relação de consumo, a legislação aplicável será o CDC. 

Por sua vez, a relação de consumo é concebida quando há, de um lado, a figura de um consumidor e, de outro, um fornecedor.

O conceito de consumidor está no art. 2° do CDC e o de fornecedor no art. 3°:

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

E como a doutrina e jurisprudência majoritárias entendem que o paciente é equiparado a consumidor, salvo exceções, aplica-se o Código de Defesa do Consumidor. Contudo, destacamos que não há uma resposta exata sobre qual a legislação aplicável à responsabilidade civil do médico, podendo variar conforme o caso.

 

Atendimento custeado pelo SUS

Conforme dito anteriormente, nem toda relação médico-paciente atrai a incidência do CDC. Esse foi o entendimento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp n° 1771169, em que o serviço foi prestado por hospital privado conveniado ao SUS.

Segundo a decisão, afastou-se a relação de consumo, pois o serviço foi custeado pelo SUS, enquanto serviço público social, devendo-se aplicar as regras que tratam da responsabilidade civil do Estado.

 

Responsabilidade do Estado

A Constituição Federal de 1988 assegura o direito à saúde como um direito fundamental e estabelece a responsabilidade do Estado na prestação de serviços de saúde. Além disso, o artigo 37, § 6º, da Constituição prevê a responsabilidade objetiva do Estado por atos dos seus agentes que causem danos a terceiros, o que inclui a área da saúde.

A Lei 8.080/1990, que dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, e a Lei 8.742/1993, que organiza a Assistência Social, também abordam aspectos relacionados à responsabilidade do Estado na área da saúde.

Em geral, a responsabilidade do Estado pode ser atribuída quando o erro médico ocorre em instituições de saúde vinculadas ao SUS, ainda que também aconteçam atendimentos de pacientes particulares.

Em caso de erro médico ocorrido em um hospital privado que tem convênio com o SUS, por exemplo, o município pode ser corresponsável pelo seu tratamento e, se necessário, pode buscar regresso contra os outros entes federativos conforme a participação de cada um na prestação do serviço de saúde.

Se o erro foi causado pelo médico, o Estado pode processar o médico em uma ação específica contra ele, provando sua culpa, mas geralmente não é possível envolver o médico diretamente na ação contra o Estado, uma vez que a natureza das responsabilidades é diferente.

Se o erro ocorreu devido a uma falha no serviço (por exemplo, falta de medicamentos ou leitos), o Estado pode ser responsável sem necessidade de provar culpa, mas também é possível responsabilizar o Estado, mediante comprovação, se a falha no serviço for devido a imperícia, imprudência ou negligência.

 

Responsabilidade civil do médico

Ao avaliarmos especificamente sob a ótica do médico, é certo que ele deve prezar pela saúde e segurança de seus pacientes. Porém, assim como em qualquer atividade, o exercício da medicina também está submetido a alguns riscos, dentre eles, o erro médico.

Segundo o Conselho Federal de Medicina (CFM):

Erro médico é a conduta (omissiva ou comissiva) profissional atípica, irregular ou inadequada, contra o paciente durante ou em face de exercício médico que pode ser caracterizada como imperícia, imprudência ou negligência, mas nunca como dolo.

Assim, o erro médico fica caracterizado pela ação culposa do médico, em que, sem intenção de causar prejuízo ao paciente, por imperícia, imprudência ou negligência, acaba por causar algum dano.

E para a configuração da responsabilidade civil médica, é necessário provar – além da conduta inadequada do profissional de saúde e do dano causado ao paciente – que existe uma relação de causalidade direta entre a conduta inadequada e o dano sofrido.

Nestas hipóteses, o médico poderá ser responsabilizado na esfera cível pela sua conduta, se o paciente processá-lo pelos danos sofridos. Essa responsabilidade envolve a obrigação de reparar os danos causados durante o exercício de suas funções, que podem ser de natureza material, moral ou estética. Assim, se o médico for condenado, a reparação pode incluir:

  • indenização financeira para cobrir os custos médicos;
  • danos morais; 
  • perdas salariais; 
  • custos de reabilitação, entre outros.

Além disso, pode haver a existência concomitante de processos nas demais esferas: administrativa – ou ética, no âmbito do CFM –  e criminal.

 

Responsabilidade médica subjetiva

Em regra, a responsabilidade civil do médico é subjetiva, ou seja, é necessário que haja a comprovação de que o ato cometido pelo profissional foi dotado de culpa: negligência, imperícia ou imprudência.

Entende-se por negligência quando o profissional deixa de tomar certa atitude que lhe era esperada diante da situação, agindo com descuido, indiferença ou desatenção. Trata-se de uma omissão.

A imprudência se caracteriza pela ação precipitada e sem cautela, de forma diversa do que se espera do profissional. Diferentemente da negligência, há uma ação, mas tomada sem os devidos cuidados.

E, por fim, a imperícia é a ação sem o devido cuidado ou qualificação técnica, constatando-se inaptidão, ignorância ou falta de conhecimento básico do profissional.

 

Responsabilidade do hospital

Ademais, podemos falar da responsabilidade das instituições de saúde onde ocorreram os danos ao paciente. A responsabilidade do hospital ou da clínica pode ser subjetiva ou objetiva, a depender do vínculo contratual do médico com a instituição.

O entendimento do STJ está consolidado no sentido de que a responsabilidade dos hospitais, com relação à conduta dos médicos contratados que neles trabalham, é de natureza subjetiva, estando condicionada à demonstração da culpa do representante. Mas, uma vez comprovada a culpa médica, o hospital responde objetivamente, desobrigando o paciente de demonstrar a culpa da instituição – que será solidariamente responsável, juntamente com o médico, pelos danos causados, em conformidade com o art. 932, do Código Civil:

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

(…)

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

No caso em que o médico não faz parte do corpo clínico do hospital, a responsabilidade é exclusiva do médico, nos termos do §4° do art. 14 do Código de Defesa do Consumidor:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

(…)A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

 

Responsabilidade do médico residente

O médico residente, ainda que esteja cursando uma especialização, é um médico devidamente registrado no CRM e habilitado para atuar como tal. Dessa forma, em geral, a responsabilidade do residente é a mesma de qualquer outro médico.

Isso significa que a responsabilidade do residente é subjetiva e exige os mesmos requisitos de todos os demais médicos: conduta culposa, dano indenizável e nexo de causalidade.

Mas o grau de responsabilização do médico residente deverá ser compatível com o caso concreto, de modo que a sua responsabilidade será compartilhada com o médico preceptor e a instituição de saúde. E, caso fique comprovado que estava atuando estritamente conforme a orientação do médico preceptor, pode ter a sua responsabilidade excluída.

 

Responsabilidade do médico preceptor

O médico preceptor é aquele que orienta e instrui os médicos residentes, que estão em treinamento. Dessa forma, tanto o preceptor quanto a instituição de saúde são responsáveis, para além das próprias ações, pela atuação dos residentes. Isso porque, como o médico preceptor possui o papel de orientador profissional, é obrigatório que o residente atue obedecendo às orientações do preceptor.

Assim, comprovada a culpa, quando a decisão que resulta no dano ao paciente tiver sido tomada em conjunto, a responsabilidade será compartilhada entre o médico preceptor e o residente (responsabilidade solidária).

Mas caso a decisão tenha sido exclusiva do preceptor, apesar da responsabilidade recair sobre ambos, o dever de indenizar, primariamente, será do médico preceptor. Somente na indisponibilidade dele, que o médico residente terá a responsabilidade de indenização, subsidiariamente.

 

Causas excludentes de responsabilidade

As excludentes de responsabilidade são literalmente as situações nas quais se exclui a responsabilidade e, portanto, não geram a obrigação de indenizar.

No âmbito do Código Civil, podemos citar o caso fortuito ou a força maior, situações as quais não se podiam prever ou evitar o resultado.

Há, ainda, no âmbito do Código Civil, a culpa exclusiva da vítima (paciente), em que somente quem sofreu o dano é o responsável por seu acontecimento, e a culpa concorrente da vítima, em que ela influenciou de alguma forma para o resultado danoso (art. 945). Da mesma forma, o Código de Defesa do Consumidor prevê que o fornecedor (médico) não será responsabilizado quando se provar culpa exclusiva do consumidor (paciente) ou de terceiro (art. 14, §3°).

E, apesar de óbvia, não podemos deixar de citar que, como a responsabilidade civil médica é, em regra, subjetiva, outra excludente de responsabilidade é a inexistência de culpa por parte do médico. Assim, em relação às instituições de saúde, ainda que a responsabilidade do hospital seja objetiva, se ficar demonstrado que não houve falha na prestação dos serviços, não há o que se falar em responsabilidade do hospital.

Todas essas teses podem ser utilizadas para defender a ausência de responsabilidade civil do médico ou do hospital.

O valor jurídico do prontuário médico

Para todas as situações e hipóteses abordadas, independente de qual é a parte ré, existe um documento de extrema importância, não apenas do ponto de vista médico, mas também com grande valor jurídico, sendo essencial em processos de responsabilização por erros cometidos: o prontuário médico.

Ele consiste no registro detalhado de todas as informações relativas ao atendimento e acompanhamento de um paciente. Nele constam, por exemplo: histórico familiar, descrição e evolução de sintomas, diagnósticos, exames realizados, indicações de tratamentos e prescrições.

Em caso de processo judicial ou ético profissional, podemos citar 3 provas que podem ser extraídas do documento em defesa do médico ou instituição de saúde:

  • A justificativa das condutas realizadas, diante da evolução clínica e dos sintomas – que demonstra a assertividade e o zelo no atendimento diante do quadro;
  • O registro das informações que foram passadas ao paciente, como forma de complementar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) que comprova o cumprimento do dever de informação;
  • A indicação dos demais profissionais que participaram do atendimento (residentes, enfermeiros, nutricionistas…) que podem vir a ser testemunhas ou compartilhar a responsabilidade.

Sobretudo, além de ser valioso para a assistência ao paciente, um prontuário bem preenchido pode fazer toda a diferença para a defesa de um profissional ou instituição também.

 

Conclusão

A medicina lida com o bem mais precioso, que é a vida humana.

Portanto, a responsabilidade dos profissionais que lidam diretamente com a sua existência e manutenção, deve ser conhecida, mas também, devidamente delimitada. A responsabilidade civil médica busca equilibrar os direitos dos pacientes à segurança e à qualidade do atendimento médico com o reconhecimento dos desafios e complexidades enfrentados pelos profissionais de saúde.

Na área da saúde, o conhecimento legal é essencial para uma atuação responsável e que não exponha nem o médico, nem o paciente, a litígios desnecessários. Assim, esperamos que o presente artigo tenha passado as diretrizes gerais sobre o assunto. Caso você permaneça com alguma dúvida, estaremos à disposição para atendê-lo!

Se você gostou do nosso conteúdo, deixe seu comentário abaixo e nos avalie no Google. Saber se essas informações lhe foram úteis é muito importante para nós!

Caso ainda tenha ficado com alguma dúvida, entre em contato conosco e saiba como podemos ajudar!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *